É inquietante pensar que ainda hoje, no Brasil, prevalece a ideia de que a preservação do meio ambiente representa um atraso ao desenvolvimento do país.
Pois foi este o recado dos senadores à nação ao aprovar um projeto de lei que promove um verdadeiro desmonte das regras de licenciamento ambiental, na última quarta-feira (22/5). Regras que deveriam garantir as seguranças ambiental e social de um empreendimento.
Com esta decisão, um empreendedor para executar um projeto de médio porte e potencial poluidor - como um viaduto, uma hidrelétrica ou mesmo um projeto de irrigação - poderá fazer uma autodeclaração, atestando que o projeto não oferece riscos, ter acesso à chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC) e poder executar a obra, sem a necessidade de estudo prévio de impacto e fiscalização do órgão ambiental do governo.
É o que eu chamo de colocar a raposa no galinheiro, porque o empreendedor nem sempre está preocupado com o interesse público, este cabe ao órgão público.
O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima não é contrário à LAC, mas defende que ela deveria valer apenas para empreendimentos de pequeno porte e que não envolvam áreas sensíveis, como uma padaria, por exemplo.
A nova regra permite ainda que empreendimentos sejam licenciados em áreas de conservação, como parques nacionais e estações ecológicas federais, sem a manifestação obrigatória prévia do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, ICMBio.
Tem mais. Os órgãos competentes pela pela proteção de terras indígenas e quilombolas só precisarão se manifestar em relação às áreas homologadas e tituladas. O problema é que o processo de homologação é muito lento, no país, e há muitas terras ainda pendentes de reconhecimento formal.
E mais um pouco. Atividades de agricultura e pecuária inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) ou aderidas ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) estarão dispensadas de licenciamento ambiental. Instrumentos como o CAR e o PRA não avaliam impactos como uso excessivo de água, poluição do solo e pressão sobre áreas de preservação. A boiada vai passar!
A decisão dos senadores elimina as 3 etapas antes necessárias à aprovação de uma obra. Primeiro, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) concede uma licença prévia para que o empreendedor possa elaborar o projeto. Se este atender aos requisitos de seguranças ambiental e social, recebe uma licença de aprovação para a execução e ainda passa por uma terceira etapa de avaliação para ter acesso à licença de instalação. O órgão de fiscalização ambiental será varrido do processo.
Para entender melhor esta história, vale uma rápida volta no tempo. A Política Nacional do Meio Ambiente, da qual fazem parte as regras de licenciamento ambiental, foi criada em 1981, depois da tragédia de crianças nascendo sem cérebro, na região industrial de Cubatão, em São Paulo, seguida de uma grande mobilização social.
Mas nunca deixou de sofrer lobby contrário e pesado de setores como a agropecuária e as hidrelétricas. Desde 2004, um projeto de lei, que flexibiliza as regras, estava parado na Câmara dos Deputados. Até que em 2021, a Câmara aprovou o projeto de lei que cria a Licença por Adesão e Compromisso e a proposta segue para o Senado.
No ano passado, o senador Davi Alcolumbre assumiu a presidência do Senado Federal, decidiu acelerar a tramitação e na última quarta-feira, o projeto foi aprovado. Mas como sofreu mudanças, precisará ser apreciado novamente, na Câmara dos Deputados. A Frente Parlamentar da Agropecuária já sinalizou que pressionará o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, para votar o projeto até o fim de junho.
Detalhe importante: Alcolumbre é senador pelo estado do Amapá e está de olho na possibilidade da LAC abrir espaço para a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, que renderá royalties vultosos ao seu estado de origem.
Para aqueles que acham que o Supremo Tribunal Federal interfere excessivamente nas decisões do Congresso Nacional, podem se preparar para novas judicializações, porque o projeto de lei desrespeita o artigo 225 da Constituição Federal, que exige estudo prévio de impacto ambiental para instalação de qualquer obra que cause prejuízos ambientais.
Se mesmo com as regras atuais ainda acontecem falhas graves nos processos de licenciamento ambiental, como as tragédias dos rompimentos das barragens em Mariana (2015) e Brumadinho (2019), em Minas Gerais, o que será do meio ambiente sem elas?
Depois dessa, com que cara o Brasil chegará à COP30, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que reúne representantes de quase todos os países do mundo, e que se realizará em novembro, em Belém? Certamente, não como uma pretendida liderança mundial em defesa do meio ambiente, mas com uma agenda marcada por uma grande derrota ambiental.